© Eduardo Cesar |
O vasto auditório do Memorial da América Latina, com 870 lugares, estava lotado na tarde da segunda-feira, 17 de agosto. Viam-se sobretudo rostos jovens emergindo na quase penumbra da plateia, e era isso o surpreendente: difícil entender de primeira por que tantos deles tinham livremente decidido participar da instalação do Fórum Permanente dos Programas de Pós-Graduação de Comunicação do Estado de São Paulo, programação no mínimo um tanto aborrecida para fases e tempos inquietos da vida. Registre-se, a propósito, que em São Paulo estão hoje 14 dos 34 programas de pós em comunicação existentes no país. Sem sinais explícitos de impaciência, enquanto se sucediam as falas dos integrantes da mesa, a verdadeira expectativa que dominava o auditório, entretanto, era a aula magna do professor Jesús Martín-Barbero que abordaria a comunicação no presente.
Barbero começou a falar e logo lançou a pergunta de caráter epistemológico sobre “como pesquisar a comunicação hoje”. Entrou pelo conceito moderno de incerteza e suas raízes fincadas na lógica difusa (ou lógica fuzzy), passou por Merleau-Ponty e sua descrença nas leis da história, declarada em 1956, junto com a afirmação de que a história só é pensável em termos de ambiguidade, e deteve-se no medo que hoje nos provoca um conceito novíssimo de informação, o da informação genética.
O professor passeou o olhar pelas metodologias de pesquisa em comunicação fundadas no estruturalismo, no marxismo e no funcionalismo e aportou no ecossistema especial em que os homens contemporâneos veem e são vistos (algo como o “terceiro entorno” de Javier Echeverría ou o “bios midiático” de Muniz Sodré). Estava na seara da imagem sob todas as formas, no campo especial da comunicação já nem tanto concebido a partir de um conjunto de meios e aparelhos que se transformam, se desfazem e refazem “ante nossos olhos”, mas tateado com uma atenção especial para a internet e o computador, que trazem “algo de radicalmente novo” à história dos homens. Um “algo”, para Barbero, jamais comparável à imprensa, ao avião ou a qualquer das máquinas fundamentais das mais conhecidas revoluções tecnológicas, e comparável, como quer Roger Chartier, à invenção do alfabeto. Algo radical a ponto de assinalar uma divisão entre épocas – ou eras. “Estamos na crise. O velho já morreu e não conhecemos ainda o que está por vir”, Barbero disse, trazendo Gramsci para a plateia.
Na véspera ele já dissera à Pesquisa FAPESP que os meios e os gêneros que os meios produzem estão sendo reinventados à luz da interface da televisão com a internet, numa interação e contaminação que desestabilizam os discursos próprios de cada meio e criam o que ele tem nomea do de “as formas mestiças da comunicação”. Formas um tanto incoerentes que atuam transversalmente em todos os meios.
Esse homem de quase 72 anos é, como apresentou Maria Immacolata Vassalo Lopes, coordenadora do programa de pós-graduação em comunicação da Universidade de São Paulo (USP), um “cidadão latino-americano nascido na Espanha”, em Ávila. Barbero escolheu a América Latina como lugar para viver e sobre o qual pensar muito cedo, quando a Espanha, sob a ditadura de Francisco Franco, “era um lugar muito triste”.
Autor, entre outras obras, do já clássico Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia (Editora UFRJ, 5ª edição, tradução de Ronald Polito e Sérgio Alcides), Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas de comunicação na cultura (Edições Loyola, 2004, tradução de Fidelina González) e Os exercícios do Ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva, este em coautoria com Germán Rey (Editora Senac, 2004, tradução de Jacob Gorender), Jesús Martín-Barbero é doutor em filosofia pela Universidade de Louvain e pós-doutor em antropologia e semiologia na Escola de Altos Estudos em Paris. Em seu currículo, há que se destacar a criação do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidad del Valle, Colômbia, que se transformou em Escola de Comunicação Social, e suas atividades de professor e pesquisador nas universidades Complutense de Madri, Autônoma de Barcelona, de Guadalajara e na Escola Nacional de Antropologia e História do México. No segundo semestre de 2008 foi professor visitante na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Hoje é professor e coordenador de pesquisa da Faculdade de Comunicação e Linguagem da Universidade Javeriana de Bogotá. A seguir, os principais trechos da entrevista (esta é a versão mais completa da conversa, editada especialmente para o site).
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